terça-feira, 11 de junho de 2013

Clientes são infectados por micobactérias em clínica de estética

Infecções pós-operatórias por micobactérias de crescimento rápido no Brasil

INTRODUÇÃO
 EPI para atendimento estético 

As infecções pós-operatórias por micobactérias têm sido relatadas após procedimentos cardiotorácicos, oftalmológicos, ortopédicos, pediátricos e laparoscópicos1-5. Da mesma forma, também existem relatos crescentes de infecções por micobactéria após operações estéticas, principalmente lipoaspiração e mastoplastia de aumento1,6.

As operações estéticas apresentam um risco baixo de infecção de sítio cirúrgico (1 a 5%), sendo que os microrganismos isolados geralmente incluem os patógenos comuns da pele, tais como Staphylococcus aureus7. Apesar disso, outros microrganismos, entre eles, Mycobacterium fortuitum, Mycobacterium abscessus e Mycobacterium chelonae são cada vez mais identificados. Existem relatos de infecções pós-operatórias por micobactérias de crescimento rápido após mastoplastia de aumento, abdominoplastia, blefaroplastia, ritidoplastia, rinoplastia e lipoaspiração1,3,6-10.


HISTÓRICO, BIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO DAS MICOBACTÉRIAS

O estudo das micobactérias confunde-se com o próprio surgimento da microbiologia clínica. O primeiro agente etiológico de doença humana foi descrito por Hansen, em 1868, e, em 1882, Koch demonstrou a associação entre a presença de microrganismos e a ocorrência da tuberculose. Vivia-se uma nova era no desenvolvimento da ciência e as infecções por bactérias que mais tarde receberiam os nomesMycobacterium leprae e Mycobacterium tuberculosis, de grande simbolismo na história da humanidade, inauguravam tal trajetória. 

Ao longo do século XX, acumulou-se grande quantidade de conhecimento sobre as micobactérias, sendo descritas diversas outras espécies relacionadas a doenças. Já em 1938 foi descrito por Costa Cruz, M. fortuitum, como causa de doença cutânea. Várias outras investigações tornaram mais conhecido o gênero, com várias espécies batizadas no período, entre elas, M. abscessus, por Moore e Frerichs, em 1953. Tanto M. fortuitum como M. abscessus foram associados à contaminação de injeções, causando abscessos na pele e no tecido subcutâneo11.

Em 1954, Timpe e Runyon12 criaram, para as micobactérias que denominaram atípicas, uma classificação em quatro grupos, refinada em 1975 por Runyon, sumarizada a seguir:




·  Grupo I: chamadas fotocromogênicas, por formarem cristais de pigmento amarelo quando células em crescimento são expostas à luz forte. Incluem M. kansasii, M. simiae e M. marinum;
·  Grupo II: produzem colônias com pigmento amarelo brilhante, tanto quando cultivadas sob luz e no escuro, o que os levou a chamá-las escotocromogênicas. O grupo inclui M. scrofulaceum, M. gordonae, M. flavescens e M. xenopi;
·  Grupo III: chamadas não-fotocromogênicas, incluem algumas espécies que produzem pequena quantidade de pigmento amarelo pálido, cuja cor não é intensificada pela exposição à luz. Incluem os complexos M. avium-intracellulare, M. terrae-triviale e M. nonchromogenicum, além do M. gastri;
·  Grupo IV: chamadas micobactérias de crescimento rápido, com colônias que amadurecem em culturas em três a cinco dias. Incluem espécies que exibem pigmentação amarela e duas não pigmentadas, relacionadas à ocorrência de doenças em humanos, M. fortuitum e M. chelonae, às vezes citados como complexo M. fortuitum-chelonae, já então associadas a infecções de pele, tecido subcutâneo e olhos.


A classificação atual fundamenta-se ainda na de Runyon, baseada sobretudo em características morfológicas, fisiológicas e bioquímicas das micobactérias, mas enriquecida por evidências antigênicas e informações genômicas, obtidas com técnicas de biologia molecular. Além disso, houve também o desenvolvimento de técnicas quimiotaxonômicas, com importantes resultados relacionados à análise da carga lipídica da parede celular das micobactérias, que inclui moléculas únicas, como os ácidos micólicos13. 

Mais do que um exercício de classificação, a identificação precisa das espécies tem significados práticos importantes. Permite a realização de estudos epidemiológicos detalhados, orienta a análise laboratorial das amostras e, além disso, amplia o conhecimento sobre os perfis de sensibilidade das diferentes espécies aos antimicrobianos, o que representa um importante subsídio para a prática clínica frente a infecções associadas a tais microorganismos.

A resistência a antimicrobianos é um tema de destaque quando se estudam as micobactérias. Estão presentes as dificuldades conhecidas, semelhantes àquelas que se apresentam no tratamento da tuberculose, em especial a proteção que as bactérias obtêm por se alojarem dentro das células do hospedeiro, o que exige drogas que alcancem tais sítios. 

O grupo mais importante das micobactérias atípicas é o Grupo IV de Runyon, mais conhecido como o Grupo das micobactérias de crescimento rápido12. 

M. abscessus, M. fortuitum e M. chelonae são apontadas como as micobactérias de crescimento rápido (MCR) mais frequentemente envolvidas em infecções de pele e tecidos moles. Essas três espécies foram associadas a infecções em serviços de saúde, incluindo cateteres intravenosos e peritoniais de longa permanência, abscessos após injeções, infecções em sítio cirúrgico, feridas após operações cardíacas, mastoplastias e oculares14,15.

Duas outras características das micobactérias de crescimento rápido são relevantes, a prevalência em diferentes substratos ambientais, com crescimento de colônias na presença de diversos tipos de poluentes e a resistência a produtos frequentemente empregados nos procedimentos de limpeza e desinfecção em serviços de saúde14,15. 

As micobactérias de crescimento rápido são amplamente disseminadas, podendo ser encontradas em solo, poeira, pedras, bioaerossóis e água, mesmo em condições supostamente adversas, como baixo pH, pouca carga orgânica e temperaturas variadas. Dadas suas características hidrofóbicas, estão presentes em zonas de transição de coleções de água, ou seja, na superfície e em biofilmes, inclusive em canos de água. Encontram condições favoráveis em reservatórios e encanamento de hospitais, sendo difícil erradicá-las16. 


INFECÇÕES POR MICOBACTÉRIAS DE CRESCIMENTO RÁPIDO EM SERVIÇOS DE SAÚDE

O primeiro relato de surto de infecções pós-operatórias por micobactéria de crescimento rápido aconteceu em 1975, em um hospital da Carolina do Norte (Estados Unidos), com M. abscessus identificado no esterno de 19 pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, cinco dos quais morreram17. 

De 1975 a 1981, cinco surtos relacionados à cirurgia cardíaca foram relatados nos Estados Unidos e um na Hungria. Destes, um envolveu contaminação de uma prótese valvar de origem animal (porcina) e os outros todos foram de infecção em ferida cirúrgica, em geral no esterno. 

Em um dos surtos, em 1981, que afetou seis pacientes em um hospital no Texas (Estados Unidos), foi possível isolar no ambiente amostras de bactérias da mesma cepa das identificadas em pacientes. O isolamento das bactérias e a comparação molecular das cepas acabaram sendo a peça-chave para a compreensão dos episódios. Na investigação feita pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC), foram identificados M. fortuitum e M. abscessus. As cepas de M. fortuitum e de M. abscessus envolvidas no surto foram isoladas de gelo não estéril feito com água de torneira usada para resfriar a solução cardioplégica na sala de cirurgia. Depois da investigação do CDC passaram a ser utilizados gelo e água estéreis para resfriar a solução de cardioplegia e não foram registrados outros casos17.

Admite-se que o aprendizado tenha motivado mudanças semelhantes nos outros serviços e isso explique a interrupção dos surtos nos Estados Unidos, no início da década de 1980. 

Só há relato de um surto após cirurgia cardiovascular durante os mais de 15 anos seguintes, em Hong Kong, entre 1987 e 1989, com 21 casos de infecção de ferida cirúrgica identificados. As micobactérias isoladas foram M. peregrinum e M. fortuitum

Posteriormente, vários relatos de casos de infecções em sítio cirúrgico por micobactérias de crescimento rápido ocorreram esporadicamente, associados a vários tipos de operação, inclusive operações plásticas estéticas. 


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