Infecções pós-operatórias por micobactérias de
crescimento rápido no Brasil
INTRODUÇÃO
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EPI para atendimento estético |
As infecções
pós-operatórias por micobactérias têm sido relatadas após procedimentos
cardiotorácicos, oftalmológicos, ortopédicos, pediátricos e laparoscópicos1-5.
Da mesma forma, também existem relatos crescentes de infecções por micobactéria
após operações estéticas, principalmente lipoaspiração e mastoplastia de
aumento1,6.
As operações
estéticas apresentam um risco baixo de infecção de sítio cirúrgico (1 a 5%),
sendo que os microrganismos isolados geralmente incluem os patógenos comuns da
pele, tais como Staphylococcus aureus7. Apesar disso, outros
microrganismos, entre eles, Mycobacterium fortuitum, Mycobacterium
abscessus e Mycobacterium chelonae são cada vez mais
identificados. Existem relatos de infecções pós-operatórias por micobactérias
de crescimento rápido após mastoplastia de aumento, abdominoplastia,
blefaroplastia, ritidoplastia, rinoplastia e lipoaspiração1,3,6-10.
HISTÓRICO, BIOLOGIA
E CLASSIFICAÇÃO DAS MICOBACTÉRIAS
O estudo das
micobactérias confunde-se com o próprio surgimento da microbiologia clínica. O
primeiro agente etiológico de doença humana foi descrito por Hansen, em 1868,
e, em 1882, Koch demonstrou a associação entre a presença de microrganismos e a
ocorrência da tuberculose. Vivia-se uma nova era no desenvolvimento da ciência
e as infecções por bactérias que mais tarde receberiam os nomesMycobacterium
leprae e Mycobacterium tuberculosis, de grande simbolismo
na história da humanidade, inauguravam tal trajetória.
Ao longo do século
XX, acumulou-se grande quantidade de conhecimento sobre as micobactérias, sendo
descritas diversas outras espécies relacionadas a doenças. Já em 1938 foi
descrito por Costa Cruz, M. fortuitum, como causa de doença
cutânea. Várias outras investigações tornaram mais conhecido o gênero, com
várias espécies batizadas no período, entre elas, M. abscessus, por
Moore e Frerichs, em 1953. Tanto M. fortuitum como M.
abscessus foram associados à contaminação de injeções, causando
abscessos na pele e no tecido subcutâneo11.
Em 1954, Timpe e
Runyon12 criaram, para as micobactérias que denominaram atípicas, uma
classificação em quatro grupos, refinada em 1975 por Runyon, sumarizada a
seguir:
· Grupo I:
chamadas fotocromogênicas, por formarem cristais de pigmento amarelo quando
células em crescimento são expostas à luz forte. Incluem M. kansasii,
M. simiae e M. marinum;
· Grupo II:
produzem colônias com pigmento amarelo brilhante, tanto quando cultivadas sob
luz e no escuro, o que os levou a chamá-las escotocromogênicas. O grupo
inclui M. scrofulaceum, M. gordonae, M. flavescens e M.
xenopi;
· Grupo III:
chamadas não-fotocromogênicas, incluem algumas espécies que produzem pequena
quantidade de pigmento amarelo pálido, cuja cor não é intensificada pela
exposição à luz. Incluem os complexos M. avium-intracellulare, M.
terrae-triviale e M. nonchromogenicum, além do M.
gastri;
· Grupo IV:
chamadas micobactérias de crescimento rápido, com colônias que amadurecem em
culturas em três a cinco dias. Incluem espécies que exibem pigmentação amarela
e duas não pigmentadas, relacionadas à ocorrência de doenças em humanos, M.
fortuitum e M. chelonae, às vezes citados como
complexo M. fortuitum-chelonae, já então associadas a infecções de
pele, tecido subcutâneo e olhos.
A classificação
atual fundamenta-se ainda na de Runyon, baseada sobretudo em características
morfológicas, fisiológicas e bioquímicas das micobactérias, mas enriquecida por
evidências antigênicas e informações genômicas, obtidas com técnicas de
biologia molecular. Além disso, houve também o desenvolvimento de técnicas
quimiotaxonômicas, com importantes resultados relacionados à análise da carga
lipídica da parede celular das micobactérias, que inclui moléculas únicas, como
os ácidos micólicos13.
Mais do que um
exercício de classificação, a identificação precisa das espécies tem
significados práticos importantes. Permite a realização de estudos
epidemiológicos detalhados, orienta a análise laboratorial das amostras e, além
disso, amplia o conhecimento sobre os perfis de sensibilidade das diferentes
espécies aos antimicrobianos, o que representa um importante subsídio para a
prática clínica frente a infecções associadas a tais microorganismos.
A resistência a
antimicrobianos é um tema de destaque quando se estudam as micobactérias. Estão
presentes as dificuldades conhecidas, semelhantes àquelas que se apresentam no
tratamento da tuberculose, em especial a proteção que as bactérias obtêm por se
alojarem dentro das células do hospedeiro, o que exige drogas que alcancem tais
sítios.
O grupo mais
importante das micobactérias atípicas é o Grupo IV de Runyon, mais conhecido
como o Grupo das micobactérias de crescimento rápido12.
M. abscessus, M.
fortuitum e M.
chelonae são apontadas como as micobactérias de crescimento rápido
(MCR) mais frequentemente envolvidas em infecções de pele e tecidos moles.
Essas três espécies foram associadas a infecções em serviços de saúde,
incluindo cateteres intravenosos e peritoniais de longa permanência, abscessos
após injeções, infecções em sítio cirúrgico, feridas após operações cardíacas,
mastoplastias e oculares14,15.
Duas outras
características das micobactérias de crescimento rápido são relevantes, a prevalência
em diferentes substratos ambientais, com crescimento de colônias na presença de
diversos tipos de poluentes e a resistência a produtos frequentemente
empregados nos procedimentos de limpeza e desinfecção em serviços de
saúde14,15.
As micobactérias de
crescimento rápido são amplamente disseminadas, podendo ser encontradas em
solo, poeira, pedras, bioaerossóis e água, mesmo em condições supostamente
adversas, como baixo pH, pouca carga orgânica e temperaturas variadas. Dadas
suas características hidrofóbicas, estão presentes em zonas de transição de
coleções de água, ou seja, na superfície e em biofilmes, inclusive em canos de
água. Encontram condições favoráveis em reservatórios e encanamento de
hospitais, sendo difícil erradicá-las16.
INFECÇÕES POR
MICOBACTÉRIAS DE CRESCIMENTO RÁPIDO EM SERVIÇOS DE SAÚDE
O primeiro relato de
surto de infecções pós-operatórias por micobactéria de crescimento rápido
aconteceu em 1975, em um hospital da Carolina do Norte (Estados Unidos),
com M. abscessus identificado no esterno de 19 pacientes submetidos
a cirurgia cardíaca, cinco dos quais morreram17.
De 1975 a 1981,
cinco surtos relacionados à cirurgia cardíaca foram relatados nos Estados
Unidos e um na Hungria. Destes, um envolveu contaminação de uma prótese valvar
de origem animal (porcina) e os outros todos foram de infecção em ferida
cirúrgica, em geral no esterno.
Em um dos surtos, em
1981, que afetou seis pacientes em um hospital no Texas (Estados Unidos), foi
possível isolar no ambiente amostras de bactérias da mesma cepa das
identificadas em pacientes. O isolamento das bactérias e a comparação molecular
das cepas acabaram sendo a peça-chave para a compreensão dos episódios. Na
investigação feita pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC), foram
identificados M. fortuitum e M. abscessus. As cepas de M.
fortuitum e de M. abscessus envolvidas no surto foram
isoladas de gelo não estéril feito com água de torneira usada para resfriar a
solução cardioplégica na sala de cirurgia. Depois da investigação do CDC
passaram a ser utilizados gelo e água estéreis para resfriar a solução de
cardioplegia e não foram registrados outros casos17.
Admite-se que o
aprendizado tenha motivado mudanças semelhantes nos outros serviços e isso
explique a interrupção dos surtos nos Estados Unidos, no início da década de
1980.
Só há relato de um
surto após cirurgia cardiovascular durante os mais de 15 anos seguintes, em
Hong Kong, entre 1987 e 1989, com 21 casos de infecção de ferida cirúrgica
identificados. As micobactérias isoladas foram M. peregrinum e M.
fortuitum.
Posteriormente,
vários relatos de casos de infecções em sítio cirúrgico por micobactérias de
crescimento rápido ocorreram esporadicamente, associados a vários tipos de
operação, inclusive operações plásticas estéticas.
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